terça-feira, 25 de setembro de 2007

Intolerância profissional

Marx tinha razão ao falar da especialização cada vez mais específica no mundo do trabalho. O teórico que entre outras coisas conseguiu o feito de inspirar desde alguns dos mais bobos até dos mais geniais exemplares da espécie humana, previu que esse fenômeno seria responsável pela alienação do trabalhador em relação ao produto do seu trabalho (o cara olha um computador por exemplo, e se pergunta meio desconfiado: "eu ajudei a fazer isso?").

Pois bem, eu não sei se Marx previu isso que pude verificar, ou se posso me proclamar o herdeiro do seu legado: além de alienados, ficamos sectários em relação aos colegas que apertam o parafuso B. Basta frequentar um curso de Comunicação por exemplo, para ver como o estudante de publicidade despreza o de jornalismo e vice-versa. Isso se assemelha a conflitos religiosos entre judeus e muçulmanos (até na questão da raiz comum). Na minha sala havia uma clara fronteira geográfica - publicidade ao ocidente e jornalismo ao oriente. Às vezes alguns colegas (não sei se em missão de paz ou provocação), cruzavam a fronteira e se instalavam em território inimigo, gerando estranhamento. Havia também estudantes de jornalismo que se convertiam à publicidade, pelo menos nas relações pessoais.

Ainda não tinha despertado para a dimensão generalizada dessa situação até ontem, quando aconteceu de eu estar almoçando com profissionais e estudantes da área biológica. Conversa vai, conversa vem e eu boiando (eles estavam em calorosa discussão sobre quem iriam presentear com as preciosas bolsas de estudo). "Vamos ver como fulano se desempenha", falou uma jovem professora sobre um ansioso e brilhante calouro de 16 anos, tendo o destino do rapazito nas mãos. "Ele pensa que é só chegar e ir ganhando bolsa? Não é assim não, meu bem!", sapecou outra sobre mais um aspirante.

De repente eles notaram o elemento estranho que comia quieto, sem ter como tomar parte no julgamento, digo, na conversa - eu. A jovem, bonita e simpática professora quis saber o que eu fazia da vida. "Estudo jornalismo", respondi. Pra quê eu fui falar? Todos os pecados do jornalismo agora teriam de ser explicados por mim! "Por que quando damos uma entrevista sempre sai errado?", perguntou a inquiridora mais implacável. Tive vontade de dizer pra ela perguntar a quem a entrevistou por que diabos não escreve certo. Mas eu estava em território estrangeiro, devia ser diplomata. "Ah, é porque eles querem simplificar a história e têm pressa de publicar", falei (e não deixei de ser sincero). Fui alvejado por uma série de questões sobre se isso é certo ou errado, virei ouvidor da categoria - ou como se diz no jargão jornalístico, ombudsman. Prometi dar o meu jeito: "não se preocupem, suas queixas foram anotadas".

Mas eu comecei falando do Marx, trabalho especializado... ah, claro. Eu também fiquei curioso em partilhar um pouco do conhecimento específico daquele grupo. Acabei cometendo uma gafe gravíssima. Tomando refrigerante, uma das moças comentou que refrigerante na garrafa de vidro é mais gostoso. Um barbudinho concordou, opinando que é porque fica mais concentrado. Eu também sempre pensei isso! Fiquei feliz em ver minhas idéias defendidas por outros. Era a oportunidade: "Vocês que são da área, queria saber porque isso acontece", perguntei, com curiosidade de aprendiz de cientista. "Ih, isso é assunto de química", desprezou a jovem ao meu lado. O barbudo foi mais longe: "engenheiro de alimentos", balançando a mão em sinal de distância. Note-se: distância do engenheiro de alimentos, não da engenharia de alimentos. Enquanto isso, fiquei com a impressão de que só não sabia porque perdi na infância algum "X-tudo" ou "Mundo de Beckman" que falava exatamente disso.

O velho Marx, se fosse vivo, completaria a sua tese: a especialização causa alienação
do trabalho e desunião na classe trabalhadora.

Alan Araguaia

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Jornal de ontem, notícia de anteontem

Uma das grandes dificuldades em acompanhar a mídia é a enxurrada de "informações" que ela descarrega diariamente na atmosfera. Assuntos relevantes acabam sendo mais descartáveis que um cotonete, quando poderiam dar ocasião para grandes debates - é o caso da apocalíptica (não em sentido pejorativo) previsão de que a continuarmos nesse ritmo de consumo, o mundo entrará em colapso em poucos anos. Ora, o assunto é da mais alta importância, porque sem mundo não teremos mais o jogo de futebol, a violência nas grandes cidades, a lenga-lenga de Brasília, "Paraíso Tropical", etc infinito. Mas assim como nos acostumamos com a idéia de que a periferia é uma praça de guerra mesmo e o melhor é ficar longe, estamos já mais ou menos conformados que o metano não tarda a nos sufocar, os oceanos vão avançar sobre os litorais e vai ter que começar tudo de novo (não sei se aqui ou em outra esfera suspensa no vácuo).

A coisa está tão séria que não faltam metidos a sabichões a dizer (acho tão bonito a forma lusitana pro presente contínuo) que é "lugar comum" falar do aquecimento global, do tsunami, da escassez de petróleo... coisa de quem não tem o que falar. A sanha por um assunto novo a cada edição cega as pessoas. A nossa mania de não se aprofundar em nada, ver as coisas passarem, ainda nos leva pro buraco. Por falar nisso, alguém sabe como anda aquele da camada de ozônio?

Alan Araguaia