quinta-feira, 16 de julho de 2009

Abaixo-assinado em favor de Lúcio Flávio Pinto

O repórter e editor do Jornal Pessoal, de Belém do Pará, Lúcio Flávio Pinto, foi condenado pelo juiz Raimundo das Chagas Filho, da 4ª Vara Cível da capital, a pagar uma indenização de R$ 30 mil aos irmãos Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, proprietários das Organizações Romulo Maiorana, uma das empresas de comunicação mais influentes da Região Norte, cuja emisssora de TV é afiliada à Rede Globo. A sentença, expedida no último dia 6 de junho de 2009, refere-se a uma das quatro ações indenizatórias movidas pelos irmãos contra o jornalista que, em 2005, publicou artigo ("Um Império ao Norte", leia ao lado) em um livro organizado pelo jornalista italiano Maurizio Chierici, depois reproduzido no Jornal Pessoal, no qual aborda, entre outros aspectos, a atividade de contrabandista do fundador das ORM, Romulo Maiorana, nos anos de 1950, o qu e teria motivado a ação, pois os irmãos consideraram ofensivo o tratamento dispensado à memória do pai. Além da indenização por supostos danos morais, o juiz ainda obriga o jornalista a não mais referir-se aos irmãos em seus próximos artigos.

Lúcio Flávio Pinto, de 59 anos, em quatro décadas de jornalismo é um dos profissionais mais respeitados no Brasil e no exterior. Seu Jornal Pessoal resiste, de forma alternativa, há 22 anos, sem aceitar patrocínio ou anúncios, garantindo a independência de seu editor frente aos temas públicos do Pará, sobretudo na seara política. Por sua atuação intransigente frente aos desmandos políticos, às injustiças sociais e ao desrespeito aos direitos humanos, recebeu prêmios internacionais importantes: em 1997, em Roma, o prêmio Colombe d’oro per La Pace; e em 2005, em Nova Iorque, o prêmio anual do CPJ (Comittee for Jornalists Protection). Além disso, é premiado com vários Esso. É também autor d e 14 livros, tendo como tema central a Amazônia, sendo os mais recentes “Contra o Poder”, “Memória do Cotidiano” e “Amazônia Sangrada (de FHC a Lula)”.

Esse fato demonstra o que significa fazer jornalismo de verdade na capital do Pará: uma condenação.

Por isso, nós, abaixo-assinados, solidarizamo-nos com Lúcio Flávio Pinto, pedindo a revisão de sua condenação em nome da democracia e da liberdade de pensamento.

Para assinar, acesse aqui.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Sobre Juvêncio

Deixo aqui, como o Fabrício, meu pesar pela morte de Juvêncio de Arruda, que, apesar de ter conhecido apenas pelos seus posts no 5ª Emenda, e por um debate do qual ele participou no curso de Comunicação da UFPA, rapidamente se tornou uma referência pra mim. Todo santo dia, como tanta gente, uma das primeiras coisas que fazia ao sentar-me em frente a um computador era conferir o Quinta. Queria saber o que estava rolando na cena política da cidade, mas para além disso o que me atraía era seu estilo inteligente e bem-humorado. Sempre pensei, enquanto lia: "taí um cara que um dia quero conhecer". Infelizmente, fica pra uma próxima, aproveitando que acredito na existência de uma próxima.

Que possamos nos capacitar para a tarefa de não permitir que o silêncio impere.

Alan Araguaia

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Pequena reflexão sobre o ser

Um pequena reflexão sobre o sentido e sobre o ser.

Homenagem a Juvêncio e seu Quinta Emenda.

O mapa da alma não tem fronteiras - Eduardo Galeano, publicado originalmente na Carta Maior

(*) Palavras proferidas em Montevidéu, dia 9 de julho, quando Galeano foi condecorado com a Ordem de Maio, da República Argentina.

Permitam-me agradecer esta premiação que estou recebendo, que para mim é um símbolo da terceira margem do rio. Nesta terceira margem, nascida do encontro das outras duas, florescem e se multiplicam, juntas, nossas melhores energias, que nos salvam do rancor, da mesquinhez, da inveja e de outros venenos que abundam no mercado.

Aqui estamos, pois, na terceira margem do rio, argentinos e uruguaios, uruguaios e argentinos, rendendo homenagem a nossa vida compartilhada, e, portanto, estamos celebrando o sentido comunitário da vida, que é a expressão mais íntima do sentido comum.

Ao fim e ao cabo, e perdão por ir tão longe, para um ponto onde a história ainda não se chamava assim, lá no remoto tempo das cavernas, como se viraram para sobreviver aqueles indefesos, inúteis, desamparados avôs da humanidade? Talvez tenham sobrevivido, contra toda evidência, porque foram capazes de compartilhar a comida e souberam defender-se juntos. E se passaram os anos, milhares e milhares de anos, e vemos que o mundo raramente recorda essa lição de sentido comum, a mais elementar de todas e a que mais nos faz falta hoje.

Eu tive a sorte de viver em Buenos Aires, nos anos 70. Cheguei corrido pela ditadura militar uruguaia e acabei saindo corrido pela ditadura militar Argentina. Não saí: me saíram. Mas nestes anos comprovei, uma vez mais, que aquela lição pré histórica de sentido comum não havia sido esquecida de todo. A energia solidária crescia e cresce ao vai e vem das ondas que nos levam e nos trazem, argentinos que vêm e vão, uruguaios que vamos e viemos. E no tempo das ditaduras, soubemos compartilhar a comida e soubemos defender-nos juntos, e ninguém se sentia herói nem mártir por dar abrigo aos perseguidos que cruzavam o rio, indo para lá ou vindo de lá.

A solidariedade era, e segue sendo, um assunto de sentido comum e, portanto, era, e segue sendo, a coisa mais natural do mundo. Talvez por isso sua energia, sempre viva, foi mais viva do que nunca nos anos do terror, alimentada pelas proibições que queriam mata-la. Como o bom touro de lida, a solidariedade cresce no castigo.

E quero dar um testemunho pessoal de meu exílio na Argentina.

Quero render homenagem a uma aventura chamada Crise, uma revista cultural que alguns escritores e artistas fundaram com o generoso apoio de Federico Vogelius, onde eu pude aportar algo do muito que me havia ensinado Carlos Quijano, em meus tempos do semanário Marcha.A revista Crise tinha um nome um tanto deprimente, mas era uma jubilosa celebração da cultura vivida como comunhão coletiva, uma festa do vínculo humano encarnado na palavra compartilhada. Queríamos compartilhar a palavra, como se fosse pão.

Nós, sobreviventes daquela experiência criadora, que morreu afogada pela ditadura militar, seguimos acreditando no que acreditávamos então.

Acreditávamos, acreditamos, que para não ser mudo é preciso começar por não ser surdo, e que o ponto de partida de uma cultura solidária está na boca daqueles que fazem cultura sem saber que a fazem, anônimos conquistadores dos sóis que as noites escondem, e eles, e elas, são também aqueles que fazem história sem saber que a fazem. Porque a cultura, quando é verdadeira, cresce desde o pé, como alguma vez cantou Alfredo Zitarrosa, e desde o pé cresce a história. A única coisa que se faz desde cima são os poços.

A ditadura militar acabou com a revista e exterminou muitas outras expressões de fecundidade social. Os fabricantes de poços castigaram o imperdoável pecado do vínculo, a solidariedade cometida em suas múltiplas formas possíveis, e a máquina da separação continuou trabalhando a serviço de uma tradição colonial, imposta pelos impérios que nos dividiram para reinar e que nos obrigam a aceitar a solidão como destino.

À primeira vista, o mundo parece uma multidão de solidões amontoadas, todos contra todos, salve-se quem puder; mas o sentido comum, o sentido comunitário, é um bichinho duro de matar. A esperança ainda tem quem a espere, alentada pelas vozes que ressoam desde nossa origem comum e nossos assombrosos espaços de encontro.

Eu não conheço felicidade maior que a alegria de reconhecer-me nos demais. Talvez essa seja, para mim, a única imortalidade digna de fé. Reconhecer-me nos demais, reconhecer-me em minha pátria e em meu tempo, e também me reconhecer em mulheres e homens que são meus compatriotas, nascidos em outras terras, e reconhecer-me em mulheres e homens que são meus contemporâneos, vividos em outros tempos.

Os mapas da alma não têm fronteiras.
Tradução: Katarina Peixoto


Fabrício Mattos

O silêncio e a esfera pública

Na Amazônia, a comunicação, a transparência e o debate público, cada vez mais, tornam-se um esporte de combate, como dizia Bourdieu, a respeito da sociologia. Gostaría de deixar aqui, neste blog, os meus pêsames pela morte de Juvêncio Arruda (com quem, infelizmente, debati apenas uma vez) e a minha revolta pelo silenciamento de Lúcio Flávio.

Depois do trágico,

imperará o silêncio?

Fabrício Mattos

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Castells e a internet

Caros amigos,

Posto para vocês uma entrevista de Manuel Castells a respeito de sua pesquisa e de alguns dados sobre a internet e suas formas de sociabilidade. Vale a pena ler.

Fabrício Mattos

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Diploma - outra posição

Evidenciando o nome deste blog, proponho uma segunda posição neste debate sobre o diploma de jornalismo. Talvez complementar à do Araguaia, mas veremos.

A nã-obrigatoriedade do diploma de jornalismo implica obviamente num processo de maiores proporcões, para além do "fato consumado" da decisão do STF. Está claro, para mim, que é o ápice de ganho dos conglomerados midiáticos numa relação de força entre a maior instituição de Justiça do Brasil e esta autodenominada "grande imprensa". O desgaste da figura de seu presidente, Gilmar Mendes, seguidos de "pequenos ou grandes escândalos" (arma funcional dessa mídia) ligados às decisões do STF, demonstram e demarcam este quadro. Não podemos compreender a história (qualquer história) apenas olhando "os fatos", nos posicionarmos daí pra frente. O "resgate" da legitimidade dessa instituição está latente nesse jogo, e a trégua que segue é uma demonstração disso. Essa é uma questão.

Segundo, a "cassação" do diploma não veio sozinha. Ela aboliu também, um ano antes, a Lei de imprensa, desqualificada basicamente por ter sido criada na época da ditadura militar. Embora muitos de seus artigos fossem retrógrados (em clara relação com aquele regime), existiam alguns ganhos para o cidadão comum, como o fato de poder recorrer à justiça dentro de uma legistação que previa tais crimes específicamente nessa área.

Essas "desregulações", promovidas pelo Supremo Tribunal em conjunto com os conglomerados, tem também uma relação profunda com o próprio campo de atuação dos profissionais ligados à área. Ora, estamos falando, aqui, de uma das áreas estratégicas de conformação dos imaginários sociais do mundo contemporâneo, atuação dos movimentos sociais, e conformação da democracia, como política de maior abrangência. A democracia não é, e nunca será, conformada por uma gama qualquer de intelectuais, sejam eles jornalistas, sociólogos, advogados, biólogos, matemáticos etc.

O debate não pode ficar pautado apenas na ilusão do fato de que tal ou qual profissional é "melhor" ou "pior" por ter cursado um curso de jornalismo. Até porque, esta entidade, "curso de graduação em jornalismo" tem também suas contradições. Você não pode dizer que o curso de jornalismo da UFPA é igual a um curso de jornalismo na UFRJ ou na USP.
A diferença não está, em primeira mão, na qualidade dos cursos, mas nas formas de autonomização do jornalismo como campo de importância acadêmica. A comparação entre esses espaços comporta seus desenvolvimentos específicos (por exemplo, a criação de cursos de mestrado e doutorado, o que qualifica a discussão), a formação de seus professores (já que estamos falando de um curso eminentemente multidisciplinar), e tambem, em níveis mais gerais, das políticas públicas para educação no Brasil, privilegiando alguns "centros".

Concordo com o Araguaia e não sou a favor da obrigatoriedade do diploma específico de jornalista para exercer a profissão. Mas é importante que tenha um diploma, principalmente em sua área de atuação. Mas, pensando de outro modo, como seria este texto se eu não tivesse passado pela universidade. E este blog, existiria? A universidade proporciona, além de debates e diplomas, encontros e experiências. Antes do diploma, o mundo pelo qual o aluno passa também tem um lado de defesa da sociedade, olhar a mídia e ter a oportunidade de se posicionar sem depénder exclusivamente dela. É uma mediação importante contra os mandos e desmandos das empresas. E essa mediação diz respeito a construção da posição social de cada um.

Para finalizar, será o jornalista um "especialista em generalidades"? Não creio, principalmente no que tange às empresas em suas conformações de cadernos (política, cultura, polícia etc.). Quem escreve tais cadernos são os especialistas em cada área, e a maioria tem diploma, sendo esse de jornalismo ou não. Há uma diferença entre exercer a comunicação como forma de cidadania, disputando os espaços públicos, e exercer uma profissão, que também é uma forma de exercício da demacracia, mass tolida, pelas suas regras internas. Mas, as vozes ouvidas, cotidianamente, em todos eles, vêm de onde? Das universidades. É sintomático que as mídias não necessitem mais do diploma, mas recorram aos "outros" diplomados para construir o seu discurso.

Eu vou-me embora pra outro lugar, talvez uma mistura de sociologia com antropologia.

Fabrício Mattos