terça-feira, 27 de outubro de 2009

O grande escritor

Tinham-no em conta de um grande escritor. Cinquenta anos de idade, desde muito cedo descobrira que se não escrevesse sua já frágil sanidade mental corria o risco de abandoná-lo definitivamente. Andava sempre com um bloco de papel, ou um pequeno caderno, e nele rabiscava suas impressões sobre o que via. Em grande parte, as anotações eram indecifráveis, seja pela caligrafia grotesca, deformada pelo tédio e pela ira, seja pela inegável originalidade das idéias. Tão originais que nem ele ali se reconhecia. Por esse motivo, não se incomodava se, de repente, alguém surpreendesse seus papéis e tentasse ler aquilo. Entre desenhos estranhos, como a lua que se curvava dando gargalhadas, e o homem composto de mãos, as palavras seguiam-se sem nada revelar.

Até que certo rapaz, magro, alto, e com um olhar enfadonho, lançou-o sobre aquelas frases. "Isso é literatura moderna!", disse. "Tu desvirtuaste a prosa, resgatando sua perdida função poética através do intra-diálogo", completou. O rapaz tinha bons conhecimentos em uma editora, e pediu ao homem que reunisse algo. Como fosse desempregado, e além disso se atraísse pela glória, gostou da idéia. Sem qualquer critério, remexeu os velhos cadernos, e separou uns tantos que já formassem um volume. Intitulou: "Blasfêmias".

E entregou ao rapaz moderno.Os editores, embora estranhassem aquele estilo, gostaram. Era uma obra fragmentária, segundo disseram. Em um mês, "Blasfêmias" estava nas livrarias de todo o país. Críticas em jornais, TV, convites para palestras em eventos diversos, logo o homem figurava no rol dos maiores intelectuais da nação. Alguns poucos olhavam-o com ceticismo, acusavam-o de oportunista, pseudo qualquer coisa. Só que ele já havia sido advertido que surgiriam tais reações, e sabia exatamente como se portar. Os jornalistas procuravam-o para saber o que tinha a dizer sobre a declaração do multiinstrumentista Fulano de Tal. Se fosse para televisão, inclinava a cabeça, sorria debochado e soltava coisas do tipo:

- Quero que esse cara se foda. Ele já era.

No dia seguinte, sua frase saía estampada nas revistas mensais e semanais, reverberava nos programas televisivos, ganhava os outdoors, e os admiradores do grande escritor só aumentavam. O multiinstrumentista, de ícone da cultura nacional, progressivamente tornava-se símbolo de nosso atraso. Ele, o poeta pós-concreto, a atriz cult e mais alguns ícones da cultura nacional, ao investir contra o laureado escritor, automaticamente eram relegados a símbolos de nosso atraso. Os demais logo perceberam essa regra, e, muito embora quisessem enxovalhar o polêmico escritor, disso se abstinham, em nome da própria sobrevivência. Em vez disso, eram orientados a enaltecê-lo. O dramaturgo de primeira, quando apareceu a oportunidade, asseverou:

- Vivemos uma renovação no cenário socio-artístico nacional, e ele é o símbolo disso.

E daí seguiam-se loas e mais loas ao cantado em verso e prosa escritor, e os anos foram passando, sem que alguém ousasse questionar o seu inquestionável valor. Casou-se trinta vezes com as mulheres mais desejadas da nação, e por diferentes razões. Enquanto isso, continuava a encher cadernos e mais cadernos com sua refinada literatura, no entanto, após "Blasfêmias" nada mais publicou. Também nada mais falou após repetir aquelas palavras para os cinco ex-ícones que ousaram enfrentá-lo. Aos cinquenta anos morreu de cirrose, e passados outros vinte começa a ganhar fôlego uma tendência acusando-o de ter sido uma grande farsa.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Casa Branca: "a Fox mente"

Barack Obama declarou guerra aos setores mais conservadores da imprensa norte-americana, como a rede Fox, e os jornais New York Times e Washington Post. Em especial a Fox, classificada pela diretora de comunicação de Obama, Anita Dunn, como um apêndice do Partido Republicano, em vez de uma empresa jornalística.

"A rede Fox está em guerra contra Barack Obama e a Casa Branca, [e] não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha seria o modo que dá legitimidade ao trabalho jornalístico." - comenta Dunn.

O governo dos EUA considera que falar à Fox é o mesmo que debater com a oposição, e assim a rede passa a ser tratada.

É internacionalmente conhecida a fama ultraconservadora da rede Fox, mas esta é a primeira vez que um presidente americano entra em rota de colisão com o canal líder de audiência no país. Um post recente no blog da Casa Branca traz como título uma frase familiar a nós, paraenses: "a rede Fox mente".

Para quem não se lembra, o ex-prefeito de Belém Edmilson Rodrigues lançou a campanha "O Liberal mente", nos idos dos anos 90, dando uma resposta à altura da oposição virulenta que este jornal fazia à sua gestão.

A coincidência não evidencia uma (inexistente) semelhança política entre Edmilson e Obama, mas um padrão de comportamento universal da imprensa reacionária, frente a governos minimamente progressistas - sim, para a realidade dos EUA Obama pode ser considerado progressista. Os ataques constantes, carregados de ódio e ironia, exigem respostas categóricas, sob pena dos governos acabarem sendo reféns desses grupos.

Lula poderia aprender um pouco com Edmilson e Obama.

Alan Araguaia

Informações deste post no blog do Azenha